quinta-feira, 16 de agosto de 2007

alforria desmedida


[...] todas as pessoas morrem todo dia, lentamente. não esperem mais do que um simples desabafo ao abrirem um livro, ao fecharem a porta, ao ouvirem algum desaforo, ou buzina; não esperem gentilezas, nem súplicas, nem educação, nem obrigação, nem nada. deixem pra depois o que pode ser feito hoje para satisfazer os outros. deixem para mais tarde, depois para amanhã, depois para semana que vem, depois para uma outra hora, até esquecerem completamente dessa coisa, porque isso tudo o que você pode fazer para os outros você tem que fazer para você. todos sabem que vão morrer, que seus dias estão contados e não precisa ser você o idiota a esquecer disso e ficar até mais tarde no serviço, e ficar até a noite ajudando o outro. ajude-o se isso te recompensar. se for para voltar para casa satisfeito, mas não por ter sido um escravo, não se for para voltar pra casa acabado, derrotado, sem forças para seguir adiante.
não se preocupe com eles, esses outros que esbarram na gente o dia todo. não se preocupe comigo. preocupe-se com os vírus: seres menores que você, mas que podem debilitar seu corpo, sua mente. preocupe-se com sua mente, saiba: você está morrendo agora. engula a paranóia e enfrente a rua. enfrente tudo o que precisar para ser mais completo. não espere, não seja preguiçoso, não apodreça sem ter feito nada. se um dia você se sentir debilitado, reaja. reaja contra o vírus, contra a doença que te aflige, contra a física e a biologia. nunca fique inerte, invente seu ritmo, sua música, sua arte, seu relógio que gira pra ti, que funciona pra ti, que faz tudo por ti. se você precisar fazer coisas por ele, o caminho está errado. deite-o fora. você não precisa de relógios, de carros importados, de uma casa, de um computador ou um video game. você precisa de descanso, uma boa alimentação, um pouco de paisagens e arte e é só. o resto é caco, lixo bruto sem sentido. você precisa da consciência de que é pra você que o tempo anda. um caminhar tranquilo de idoso. quando ele vai passando, você sente na nuca o assovio.
o tempo canta pra você.

2 comentários:

Senhor B disse...

Grande Marco! Saudades de ti, cara. Obrigado pelo comentário, mais ainda pelo contato. E a quantas anda a vida aí em Tuba? Aparece aqui no PET quando vieres a esta ilha que "morre todo dia um pouco", lentamente...
Abraço!

Sheyla Fernandes disse...

Estou no caminho errado, então. Que vergonha, meu caro.

Como te falei, esse texto foi um soco no estômago. Você se esquivou de elogios dizendo que é fácil escrever tudo isto para quem está de cama há uma semana, saindo de casa apenas para comer e fazer exames. Você se engana. Nesta situação, é mais difícil ainda se manter na direção certa. E você consegue. Te admiro muito por esse entre outros motivos.

Preciso aprender esse caminho. E te escolho como meu professor nessa lição que para mim parece tão complexa.