sexta-feira, 9 de novembro de 2007

coisas humanas




caminho pelas ruas. toda essa falta de lógica das calçadas, das estradas e suas estranhas pinturas, das placas, dos outdoors, das luzes, toda a falta de lógica das camisas, dos sapatos, de se barbear. caminho seguindo as divisões dos espaços: os muros, as portas, as catracas. simplesmente acompanhando a matemática estranha das coisas humanas.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

o silêncio no escuro.




ouço silêncio no escuro da noite
ouço meu coração bater,
ouço a terra girar,
nenhuma palavra sua.

ouço silêncio no escuro da rua
ouço os passos e os ruídos
estavam ali antes dos passos
estavam ali como lembrança,
somente.

ouço as palavras do silêncio,
o não-dito que se magoa
os ditos que se arrependem

ouço silêncio
o não dito se solidifica
os ditos não pedem parto


ouço a morte deitado no quarto
sussurrando silêncios a ouvidos alheios
sem capa preta nem foice, sem matéria,
sem nada.


ouço vocês.
suas agonias perversas
seus pesadelos,

ouço-os pedindo aquilo que desejam
ouço-os fazendo aquilo que não gostam

ouço-os em silêncio
ouço a morte
ouço o silêncio no escuro do mundo.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

noite de saberes perdidos


antigamente eu acreditava que podia esconder a dor, que não ligava para a data de aniversário, que não gostava de ser bajulado, que fugia de todos e queria viver minha solidão. antigamente, fingia ser eu e eu.
gozado pensar que alguém sozinho pode parecer forte sobre essas máscaras. aos olhos alheios, pareço ainda hoje, agora que luto para abdicar delas. não fazia isso por gostar de me esconder, mas por nunca ter entendido muita coisa.
compartimentos
armários,
sapatos, meias chinelos,
comida, shampoo, caneta,
amor, carinho, paixão.
compartimentos
segmentações.
retirei a máscara a algum tempo e ainda não consigo ver um reflexo meu no espelho.
desfragmentação. organização, controle.
venho prestando atenção às minhas mudanças, às minhas manobras. camaleão, camuflagem. cama.
ainda me resta uma máscara azul.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

alforria desmedida


[...] todas as pessoas morrem todo dia, lentamente. não esperem mais do que um simples desabafo ao abrirem um livro, ao fecharem a porta, ao ouvirem algum desaforo, ou buzina; não esperem gentilezas, nem súplicas, nem educação, nem obrigação, nem nada. deixem pra depois o que pode ser feito hoje para satisfazer os outros. deixem para mais tarde, depois para amanhã, depois para semana que vem, depois para uma outra hora, até esquecerem completamente dessa coisa, porque isso tudo o que você pode fazer para os outros você tem que fazer para você. todos sabem que vão morrer, que seus dias estão contados e não precisa ser você o idiota a esquecer disso e ficar até mais tarde no serviço, e ficar até a noite ajudando o outro. ajude-o se isso te recompensar. se for para voltar para casa satisfeito, mas não por ter sido um escravo, não se for para voltar pra casa acabado, derrotado, sem forças para seguir adiante.
não se preocupe com eles, esses outros que esbarram na gente o dia todo. não se preocupe comigo. preocupe-se com os vírus: seres menores que você, mas que podem debilitar seu corpo, sua mente. preocupe-se com sua mente, saiba: você está morrendo agora. engula a paranóia e enfrente a rua. enfrente tudo o que precisar para ser mais completo. não espere, não seja preguiçoso, não apodreça sem ter feito nada. se um dia você se sentir debilitado, reaja. reaja contra o vírus, contra a doença que te aflige, contra a física e a biologia. nunca fique inerte, invente seu ritmo, sua música, sua arte, seu relógio que gira pra ti, que funciona pra ti, que faz tudo por ti. se você precisar fazer coisas por ele, o caminho está errado. deite-o fora. você não precisa de relógios, de carros importados, de uma casa, de um computador ou um video game. você precisa de descanso, uma boa alimentação, um pouco de paisagens e arte e é só. o resto é caco, lixo bruto sem sentido. você precisa da consciência de que é pra você que o tempo anda. um caminhar tranquilo de idoso. quando ele vai passando, você sente na nuca o assovio.
o tempo canta pra você.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

O princípio



não se sabe ao certo se é o princípio ou se é o fim. apenas surge inexplicavelmente em algum lugar um ou mais pontos no escuro.
o efeito desse acontecimento, se pararmos para pensar, é extraordinário. um escuro total é invadido por um ponto branco, ou vermelho ou amarelado... depois outro e outro. estrelas pixeladas no abstrato dessa não-cor. do suposto nada, algumas linhas se desenham e formam o infinito. podemos imaginar as formas, as abstrações desses pixels. podemos imaginar o que o fez existir. uma explosão, uma reação qualquer? algo leve, algo pesado, podemos imaginar até uma tesoura perfurando o preto, uma lona se desfazendo, um plástico derretendo. podemos dizer que atrás do escuro as imagens sempre existiram. nunca nasceram.
na verdade, o evento seria maravilhoso, mas não acompanhamos os eventos diários. a maravilha se repete em cada amanhecer, mas não há tempo. todos os dias o relógio toca e nos levantamos a contragosto. café, cigarro, celular, chaves, ponto. ali passamos nossas oito horas e voltamos pra casa cansados demais para ler um livro ou assistir a um filme. cansados demais para transar ou para se incomodar em saber como os dias nascem e as noites morrem.